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Rafael Reis

O craque que peitou Hitler, recusou seleção nazista e morreu 7 meses depois

Rafael Reis

06/05/2019 04h00

Matthias Sindelar foi um dos primeiros craques do futebol mundial. Lá na década de 1930, marcou mais de 500 gols pelo Austria Vienna (contando jogos oficiais e não-oficiais) e conduziu a seleção austríaca ao quarto lugar na segunda edição da Copa do Mundo, disputada em 1934.

A carreira de "Der Papierene" (Homem de Papel, em português), apelido pelo qual ficou conhecido devido ao físico franzino (1,73 m e 68 kg) que exibia em campo, só não foi maior porque o nazismo não deixou.

Sindelar bateu de frente com Adolf Hitler e pagou caro por isso. O preço foi sua própria vida.

Tudo começou em março de 1938, quando as tropas nazistas invadiram o território austríaco e o anexaram à Alemanha. A ordem do ditador era clara: queria que os melhores jogadores do antigo país reforçassem a seleção germânica que disputaria o Mundial três meses mais tarde.

Quatro dos companheiros do atacante aceitaram prontamente o convite. Sindelar, não. Ídolo de um clube que possuía origem judaica e fazia sucesso dentro dessa comunidade, o jogador descartou a possibilidade de jogar a Copa ao lado dos alemães.

Oficialmente, a recusa se deu pela idade já elevada do jogador (35 anos) e pelas condições físicas deficientes que ele supostamente exibia na época. Os nazistas, evidentemente, não engoliram essa história.

Os atritos entre Sindelar e Hitler se agravaram durante o amistoso realizado para comemorar a anexação. A lenda diz que o resultado da partida entre os "ex-austríacos" e os "alemães genuínos" havia sido previamente combinado. Mas o atacante não aceitou a ordem para empatar com seus agressores.

Depois de fazer corpo mole durante todo o primeiro tempo, deixando claro que tudo aquilo que se passava dentro de campo era um teatro, o astro mudou de comportamento depois do intervalo. Depois de abrir o placar para a vitória por 2 a 0 da antiga Áustria, comemorou energicamente o gol.

O recado foi entendido. Há relatos de que Joseph Goebbels, o ministro da propaganda do regime nazista, chegou a dizer a Sindelar que ele seria perdoado pelo ato de rebeldia se voltasse atrás na decisão de não jogar pela Alemanha. A estrela deu de ombros mais uma vez.

O contra-ataque nazista foi imediato. O atacante passou a ser acompanhado de perto pela Gestapo, a polícia nada secreta alemã no 3º Reich. O Austria Vienna, clube que ele defendia, e toda a estrutura do futebol austríaco também foram desmantelados.

Ao contrário de outros jogadores locais, Sindelar não ganhou um emprego público que lhe garantiria a subsistência. Longe da bola e do dinheiro que ela lhe proporcionava, ele comprou uma cafeteria para dar sequência à vida.

No dia 23 de janeiro de 1939, sete meses depois da Copa do Mundo que escolheu não disputar, ele foi encontrado morto ao lado da namorada. A autópsia revelou que ambos foram intoxicados por monóxido de carbono.

Inicialmente, a polícia alemã tratou o caso como suicídio. Sindelar decidira tirar a vida por não aguentar mais as humilhações proporcionadas pela Gestapo. Pouco depois, sua morte passou a ser tratada como acidente. Mas, ainda hoje, há quem acredite que ele simplesmente foi assassinado pelas forças nazistas.

Mais de 20 mil pessoas fizeram questão de acompanhar seu velório.  Em tempos em que manifestações públicas contra Hitler eram proibidas, esse foi um jeito legal encontrado pelos austríacos para mostrarem seu descontentamento com o ditador alemão.

Em 1998, quase 60 anos depois de sua morte, Sindelar foi escolhido como o maior nome do esporte da Áustria no século 20. Um nome que transcendeu o esporte e fez da reta final de sua carreira um ato político.


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Sobre o Autor

Jornalista formado pela Universidade Estadual de Londrina e mestre em comunicação pela Fundação Cásper Líbero, foi repórter da Folha de S. Paulo por nove anos e mantém um blog sobre futebol internacional no UOL desde 2015.

Sobre o Blog

Este espaço conta as histórias dos jogadores que fazem do futebol uma paixão mundial. Não só dos grandes astros, mas também dos operários normalmente desconhecidos pelo público.