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O dia em que o comunismo impediu o 1º título do Barcelona na Champions

Rafael Reis

22/04/2019 04h00

Sete de maio de 1986. Na cabeça do torcedor do Barcelona, esse seria o dia em que o clube conquistaria pela primeira vez na história do título da Liga dos Campeões. Faltou um detalhe importante: combinar com os comunistas.

Foi nessa data que o principal torneio interclubes da Europa conheceu sua maior zebra em uma decisão: a vitória do Steaua Bucareste, da Romênia, sobre a equipe catalã, dentro do próprio território espanhol (Sevilha).

Crédito: Divulgação

O jogo, que consagrou o time símbolo do regime do ditador Nicolae Ceausescu, que comandou a Romênia entre 1964 e 1989, foi decidido nos pênaltis. Após empate por 0 a 0 no tempo normal, o goleiro Helmut Duckadam defendeu quatro cobranças do Barça e levou sua equipe à conquista.

O resultado foi histórico não só pelo tamanho da zebra, mas também pelo contexto político em que estava inserido. Em tempos de Guerra Fria, representou um dos maiores triunfos futebolísticos do comunismo sobre o capitalismo.

Antes do Steaua, nenhum time da porção vermelha da Europa havia conquistado a Champions. Depois dele, apenas um outro time do bloco socialista consegue repetir o feito: o Estrela Vermelha, da Iugoslávia, em 1991.

"Éramos de um país comunista, fechado, ninguém conhecia o Steaua. Foi uma grande surpresa para nós aquele título, não imaginávamos que poderíamos ganhar. Achávamos que o Barcelona era muito melhor do que realmente era", afirmou o ex-zagueiro Miodrag Belodedici, que participou das duas conquistas, em entrevista ao "Blog do Rafael Reis", em 2016.

O campeão europeu de 1986 não era apenas um time de um país comunista, mas sim a equipe moldada pelo governo romeno para dominar o futebol nacional, fazer sucesso internacional e, assim, atuar como elemento de propaganda do regime.

O Steaua era o clube administrado pelo Exército. No período em que venceu o torneio continental, era comandado, pelo menos na prática, por Valentin Ceausescu, o filho mais velho do ditador e que não tinha pudor nenhum em usar a influência paterna para alavancar o time.

Uma das medidas implantadas na época foi a obrigatoriedade do serviço militar dos garotos de maior potencial esportivo do país. Assim, todo mundo que tinha talento para jogar futebol na Romênia necessariamente passava pela base do clube. Só os que eram reprovados ou dispensados de lá tinham a oportunidade de defender outros times.

Todos os jogadores da equipe principal do Steaua eram funcionários do Exército e, portanto, possuíam regalias impensáveis para o resto da população. Em compensação, não podiam se transferir para os outros clubes do país sem a liberação das Forças Armadas e eram tratados como criminosos caso deixassem a Romênia para jogar por algum time do exterior.

Foi o que aconteceu com Belodedici, quando se mandou para a Iugoslávia. O então zagueiro foi condenado a dez anos de prisão e perdeu a Copa-1990 devido à transferência.

"Saí legalmente, com passaporte e tudo. Mas, quando cheguei na Iugoslávia, pedi asilo político. Depois, bati na porta do Estrela Vermelha e pedi para jogar por lá. O problema é que o Steaua era um clube militar, então eu tinha cargo de tenente. E, como todo oficial que abandona sua função no Exército, fui considerado um desertor."

Nos últimos 33 anos, muita coisa mudou no cenário do futebol mundial. O Barça consolidou-se com uma das maiores forças da modalidade no planeta, ganhou cinco títulos da Champions (1992, 2006, 2009, 2011 e 2015) e enfrenta o Liverpool na semifinal desta temporada.

Já o Steaua, depois da derrocada do comunismo e da democratização da Romênia, ainda no século passado, nunca mais foi o mesmo.

O clube ainda é o maior vencedor do seu país, com 26 títulos, mas não conquista a taça desde 2015. Sua última participação na fase de grupos do torneio continental foi em 2013. E o próprio nome da agremiação foi perdido devido a uma disputa judicial ente seu atual proprietário e o Exército –agora, o time se chama FCSB.


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Sobre o Autor

Jornalista formado pela Universidade Estadual de Londrina e mestre em comunicação pela Fundação Cásper Líbero, foi repórter da Folha de S. Paulo por nove anos e mantém um blog sobre futebol internacional no UOL desde 2015.

Sobre o Blog

Este espaço conta as histórias dos jogadores que fazem do futebol uma paixão mundial. Não só dos grandes astros, mas também dos operários normalmente desconhecidos pelo público.


Rafael Reis