"Efeito Jesus" não pode fazer brasileiros buscarem estrangeiros medíocres
Rafael Reis
01/11/2019 04h20
Com o sucesso do português Jorge Jesus no comando do Flamengo e o bom trabalho do argentino Jorge Sampaoli à frente do Santos, não é preciso ser nenhum vidente para profetizar: o futebol brasileiro será invadido por treinadores estrangeiros no próximo ano.
Isso significa então que a bola jogada por aqui passará por um choque de modernidade em 2020, graças à chegada de inúmeros técnicos alinhados ao que de mais contemporâneo existe no futebol mundial e livres dos vícios de quem trabalha há muito tempo por aqui?
Queria eu ser tão otimista assim. Mas é sempre bom não subestimar a capacidade dos homens que comandam a maioria dos nossos clubes mais poderosos de estragar tudo… até mesmo as boas ideias.
O mais provável é que a primeira divisão do Brasileiro (e eventualmente até equipes da Série B ou da Série C) seja tomada por treinadores contratados devido a um único critério: terem nascido longe daqui.
Afinal, se está na moda ter um técnico gringo e essa ideia está dando resultado em dois dos melhores times do país, por que não copiá-la?
Seguir a tendência não é necessariamente um problema. Agora, optar por um caminho sem se atentar aos critérios que realmente fizeram com que Flamengo e Santos tivessem um salto de qualidade em 2019 é algo como se jogar no escuro.
Jesus e Sampaoli não estão se destacando no Brasil por serem estrangeiros, mas sim porque possuem níveis de trabalho e conhecimento tático bastante superiores aos técnicos já estabelecidos no mercado nacional.
Contratar um gringo apenas para se se adequar ao que o mercado, os torcedores e os jornalistas estão pedindo é uma fria danada que tende a levar ao desembarque de vários treinador medíocres no país e que só trará resultados se for agraciado por um golpe de sorte –bem de vez em quando, as pessoas acertam mesmo "sem querer".
Apesar de a média de treinadores estabelecidos nos grandes centros da Europa e também na Argentina ser superior à brasileira, não dá para dizer que um técnico é bom apenas por ser estrangeiro ou que é ruim somente porque nasceu aqui.
É muito mais negócio apostar em um Tiago Nunes, campeão da Copa do Brasil pelo Athletico-PR e principal nome da nova safra de técnicos nacionais, que se arriscar a contratar um português/espanhol qualquer, que nunca fez nada de produtivo na carreira e é adepto da mesma filosofia essencialmente resultadista que impera no país.
Se for para trazer um treinador gringo, que tende a ter mais dificuldade de adaptação e uma barreira linguística para superar, ele precisa ser alguém diferente, um nome superior àqueles que estão à disposição no mercado interno.
Vale lembrar que mesmos comandantes que tinham carreiras de sucesso em seus países, como o argentino Edgardo Bauza (São Paulo) e o colombiano Reinaldo Rueda (Flamengo), não conseguiram brilhar por aqui. Outras invenções, como o alemão Lothar Matthäus (Athletico-PR), tampouco deixaram saudades.
Por isso, se alguém te falar algo como "está na hora do nosso time ter um técnico estrangeiro", pergunte qual é o treinador gringo que ele tanto deseja. Afinal, estrangeiro ou gingo não são nomes de ninguém.
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Sobre o Autor
Jornalista formado pela Universidade Estadual de Londrina e mestre em comunicação pela Fundação Cásper Líbero, foi repórter da Folha de S. Paulo por nove anos e mantém um blog sobre futebol internacional no UOL desde 2015.
Sobre o Blog
Este espaço conta as histórias dos jogadores que fazem do futebol uma paixão mundial. Não só dos grandes astros, mas também dos operários normalmente desconhecidos pelo público.