Técnico de sensação da Copa ainda trabalha como dentista "de vez em quando"
Rafael Reis
07/02/2018 04h30
O homem que colocou a Islândia no mapa da bola tem um hobby um tanto quanto incomum. Quando está cansado e precisa relaxar, troca o campo de futebol por um consultório de dentista e vai mexer nos dentes dos pacientes.
Até pouco tempo atrás, esse era o ganha-pão de Heimir Hallgrimsson, 50. Técnico da seleção islandesa desde 2013, ele só conseguiu abandonar a jornada dupla e viver apenas do dinheiro ganho no futebol depois da Eurocopa-2016.
Afinal, foi há um ano e meio que o planeta descobriu seu trabalho. Com uma equipe formada por jogadores aguerridos e organizados de um país minúsculo, com pouco mais de 300 mil habitantes, ele conseguiu alcançar as quartas de final do torneio continental.
Mas esse conto de fadas não termina assim. Hallgrimsson já fez história de novo. Pela primeira vez, a Islândia irá disputar uma Copa do Mundo, um feito que nenhum país com população tão pequena alcançara antes.
E, logo na primeira fase, os nórdicos terão pela frente a Argentina e Lionel Messi, "um dos melhores [jogadores] que o mundo já viu", segundo as palavras do treinador islandês.
Problema? Que nada. Esse dentista que dirige a seleção mais carismática da Copa-2018 pensa grande. "A magia do futebol é que sempre há espaço para que a zebra aconteça", afirma.
Confira abaixo a íntegra da entrevista com Heimir Hallgrimsson
1 – Primeiro, a Islândia conseguiu se classificar para a Europa. Depois, foi uma das oito melhores equipes do continente. Agora, vai disputar pela primeira vez a Copa do Mundo. Qual é o limite para vocês?
Conseguimos entrar para um determinado escalão do futebol mundial e agora vamos lutar para permanecer nele pelo maior tempo possível. Mas, para isso, precisamos continuar sempre melhorando.
2 – Quando você percebeu que a vaga na Copa do Mundo não era mais um sonho, mas sim um objetivo possível de ser alcançado?
Acho que o momento chave para nossa classificação foi a virada sobre a Finlândia [na segunda rodada das eliminatórias, perdia até os 45 minutos do segundo tempo e fez dois gols nos acréscimos]. E também aquela vitória significativa contra a Turquia [3 a 0, fora de casa], que deixou a classificação nas nossas mãos, dependendo apenas de um bom resultado contra Kosovo na rodada final. Mas, para ser justo, desde o início das eliminatórias, nosso objetivo sempre foi a classificação para a Copa.
3 – O que você precisam fazer na Copa-2018 para ficarem satisfeitos? Qual é o propósito da Islândia na Rússia?
Nós entramos em todas as partidas que disputamos para vencer, não importa quem é nosso oponente. Sendo assim, nosso primeiro objetivo é o mesmo de qualquer outra equipe participante, passar da fase de grupos e ver até onde dá para chegar. Nosso grupo é complicado, os jogos serão difíceis, mas já provamos várias vezes que, em um dia bom, podemos vencer qualquer adversário.
4 – Enfrentar Messi na primeira fase é a realização de um sonho ou algo que tira seu sono? Como a Islândia pode detê-lo?
Messi é obviamente um excelente jogador, um dos melhores que o mundo já viu. Mas não vamos enfrentar apenas ele, mas sim a Argentina, que tem uma história fantástica em Copas do Mundo. Nosso estilo de jogo prega muita organização coletiva e esforço individual. Não será diferente contra a Argentina. Afinal, dentro de campo, são 11 conta 11.
5 – Acho que boa parte das pessoas que gostam de futebol vão de alguma forma torcer pela Islândia durante a Copa. Você acha que essa espécie de apoio global pode ajudá-los na Rússia?
Temos recebido um grande apoio vindo do mundo todo, e isso é incrível. Apreciamos demais o que está acontecendo. Nosso torcedores também viajarão em bom número para Rússia e certamente vão nos estimular bastante na hora dos jogos. Quem sabe os torcedores russos e dos outros países se unam ao nosso "exército azul" no aplauso viking [tradicional saudação da torcida islandesa]. Seria uma ótima experiência para todos.
6 – Como a seleção de um país com 300 mil habitantes pode ser capaz de enfrentar (e vencer) times de países com uma população muito maior, superior a 100 milhões de habitantes, por exemplo?
Há vários motivos para o nosso recente sucesso, mas a maior parte se resume a trabalho duro, esforço coletivo e organização, características que são consideradas essenciais na sociedade islandesa. Dentro de campo, vale lembrar que cada time tem 11 jogadores e tudo pode acontecer. A magia do futebol é que sempre há espaço para que a zebra aconteça.
7 – O que mudou na sua vida depois da Eurocopa?
Para falar a verdade, até que não foram tantas coisas assim. Sigo como treinador da seleção islandesa de futebol, e a procura da imprensa internacional continua a mesma de antes da competição.
8 – Você abandonou completamente sua carreira como dentista para comandar a Islândia? Pensa em voltar às clínicas no futuro ou pretende viver a partir de agora só do futebol?
Eu ainda tenho o meu consultório, e gosto de ir até lá para atender um ou outro paciente de vez em quando. Mas, atualmente, meu foco é mesmo o trabalho no futebol. E pretendo continuar assim pelo tempo que for possível.
9 – A Islândia é apenas um fenômeno passageiro ou chegou para ficar no futebol mundial? O que vocês estão fazendo para manter esse quadro de evolução pelos próximos 5, 10, 15 anos?
A base da nossa equipe ainda vai continuar por alguns anos, mas também temos alguns atletas mais jovens pedindo espaço e as seleções de base têm tido bons resultados. O importante é que os clubes islandeses estão fazendo um trabalho fantástico na formação de jovens talentos. Então, esperamos nos manter nesse nível por muito tempo.
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Sobre o Autor
Jornalista formado pela Universidade Estadual de Londrina e mestre em comunicação pela Fundação Cásper Líbero, foi repórter da Folha de S. Paulo por nove anos e mantém um blog sobre futebol internacional no UOL desde 2015.
Sobre o Blog
Este espaço conta as histórias dos jogadores que fazem do futebol uma paixão mundial. Não só dos grandes astros, mas também dos operários normalmente desconhecidos pelo público.