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Rafael Reis

O dia em que o Tottenham "declarou guerra" à Inglaterra por causa de Hitler

Rafael Reis

18/05/2019 04h00

Um estádio tomado por bandeiras com a suástica nazista, cantando a plenos pulmões o hino nacional da Alemanha e estendendo o braço direito na famosíssima saudação ao ditador Adolf Hitler.

O palco da cena descrita acima não foi nenhuma arena esportiva germânica ou de algum país anexado ao território alemão pelas forças nazistas durante a Segunda Guerra Mundial.

Crédito: Reprodução

A aclamação ao regime que assolou o planeta durante as décadas de 1930 e 1940 aconteceu  em um reduto tradicional judeu em Londres e motivou uma "batalha" entre o Tottenham e a Inglaterra.

Tudo se passou em 1935, dois anos depois de Hitler ascender ao poder na Alemanha. Apesar de o governo ainda estar no início, seu antissemitismo era claro: os primeiros campos de concentração já estavam em funcionamento e a leis que proibiam judeus de se casar com pessoas de outras crenças/raças e de ter propriedades privadas haviam sido aprovadas.

Mesmo assim, a FA (Federação Inglesa de Futebol) convidou a Alemanha para disputar um amistoso no país. E escolheu o palco mais inapropriado possível para a realização da partida: o White Hart Lane, então casa do Tottenham.

Já naquela época, o adversário do Liverpool na decisão da Liga dos Campeões da Europa desta temporada era ligado à comunidade judaica. O clube nasceu e cresceu em um bairro de imigrantes e foi acolhido pelos judeus que lá se estabeleceram depois de fugir da perseguição feita pelo Império Russo.

De acordo com uma reportagem feita pelo jornal "Daily Express", cerca de um terço do público que costumava frequentar White Hart Lane em 1934 era composto por judeus.

Por isso, o Tottenham não gostou nada de ter se ceder sua casa para visitantes tão incômodos e indesejados. O clube apelou à FA e ao governo inglês para demovê-los da ideia. Mas a tentativa não deu em nada.

O amistoso acabou mesmo sendo disputado no dia 4 de dezembro de 1935 e em White Hart Lane. Mas não sem um verdadeiro clima de hostilidade entre judeus, ingleses e nazistas.

Segundo a revista "FourFourTwo", mais de 800 policiais trabalharam na segurança da partida. Outros tantos ficaram de prontidão em escolas vizinhas caso o barril de pólvora explodisse. Houve também a instalação de uma delegacia provisória no estádio para lidar com emergências.

E elas, é claro, aconteceram. Milhares de pessoas tomaram os arredores da arena para protestarem contra a realização do amistoso. Houve confrontos entre judeus e manifestantes antissemitas. E muita gente foi presa simplesmente por gritar contra Hitler e os nazistas.

Dentro do estádio, os dez mil alemães que invadiram White Hart Lane fizeram a festa. Exibiram orgulhosamente suas suásticas e, no momento em que saudaram o ditador com o "Heil Hitller", foram acompanhados por muitos ingleses.

Dentro de campo, a seleção germânica foi incapaz de fazer frente à Inglaterra, que contava com o atacante Stanley Matthews, um dos grandes nomes da sua história. Os donos da casa venceram por 3 a 0, mas os torcedores do Tottenham não tiveram motivos para comemorar.

Com o tempo, as relações entre a Inglaterra e o governo nazista da Alemanha se deterioraram, e eles acabaram lutando em lados opostos durante a Segunda Guerra Mundial.

Mesmo assim, o antissemitismo ainda não foi totalmente sepultado nas arenas inglesas. Mais de 80 anos depois do amistoso de 1935, torcidas adversárias ainda eventualmente entoam cantos ou mantras ofensivos a judeus durante partidas contra o Tottenham.

Em busca do seu primeiro título de Champions League em 136 anos de história, a equipe londrina enfrenta o Liverpool no dia 1º de junho, no estádio Wanda Metropolitano, casa do Atlético de Madri, na capital espanhola.


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Sobre o Autor

Jornalista formado pela Universidade Estadual de Londrina e mestre em comunicação pela Fundação Cásper Líbero, foi repórter da Folha de S. Paulo por nove anos e mantém um blog sobre futebol internacional no UOL desde 2015.

Sobre o Blog

Este espaço conta as histórias dos jogadores que fazem do futebol uma paixão mundial. Não só dos grandes astros, mas também dos operários normalmente desconhecidos pelo público.