Ex-Palmeiras venceu fome e xenofobia para virar parceiro de seleção de CR7
Rafael Reis
08/04/2019 04h00
O novo companheiro de ataque de Cristiano Ronaldo na seleção portuguesa nasceu a quase 6 mil quilômetros de distância de Lisboa, fala com sotaque brasileiro, passou pelas categorias de base do Palmeiras e foi acusado de não ser "bacteriologicamente puro" para vestir a camisa dos atuais campeões europeus.
Maranhense de nascimento e autor de 19 gols pelo Braga nesta temporada, Dyego Sousa estreou por Portugal no empate sem gols com a Ucrânia, no último dia 22, pelas eliminatórias da Euro-2020. E chegou à equipe provocando polêmica.
"Olha, fiquei sabendo dessa história por cima. Nem sei bem o que ele falou. Sinceramente, não me doeu porque só eu sei os sacrifícios que tive que fazer para chegar até aqui. Ele quis aparecer, causar polêmica. Quando falamos de pessoas normais, o apoio [à minha convocação] foi total", disse o atacante, por telefone.
O desejo de Dyego de usar a camisa vermelha é antigo. Casado com uma portuguesa desde 2010 e pai de uma filha nascida em território europeu, ele vinha falando há tempos que desejava receber uma chance do técnico Fernando Santos.
"Eu tinha esse objetivo desde que cheguei a Portugal. Mas comecei a dar entrevistas sobre isso quando assinei com o Marítimo [em 2014] e alcancei a primeira divisão. Depois que fui para o Braga, essa chance aumentou. Acho que a convocação veio na hora certa", afirmou o centroavante de 29 anos.
Dyego é o quinto jogador nascido no Brasil a defender a seleção portuguesa principal só neste século. Antes dele, o zagueiro Pepe, o meia Deco e os atacantes Liedson e Rony Lopes também cumpriram essa trajetória.
Além do quinteto, vários outros atletas nascidos nas ex-colônias lusitanas na África receberam oportunidades na equipe. Mas, segundo o centroavante do Braga, eles não sofrem tanta xenofobia quanto os brasileiros.
"Os jogadores que vêm de colônias africanas chegam aqui mais jovens e passam pelas categorias de base dos clubes portugueses, por isso são mais aceitos. Os brasileiros vêm para Portugal já como profissionais. Essa é a diferença."
Antes de realizar o sonho de jogar por Portugal e atuar ao lado de CR7, seu ídolo, Dyego Sousa precisou ralar muito. Ele começou a carreira nas categorias de base do Palmeiras. Mas teve de sair de lá para construir uma trajetória como profissional.
A primeira oportunidade foi dada pelos portugueses do Nacional da Ilha da Madeira, quando ainda tinha 18 anos. Depois, o centroavante retornou ao Brasil e defendeu Moto Clube e Operário-PR. Em 2010, voltou ao Velho Continente para jogar no Leixões. Ele ainda teve uma rápida passagem pelo futebol angolano antes se estabelecer de vez na terra de Cristiano Ronaldo.
"Costumo dizer que ganhei mais fama do que dinheiro. Minha carreira não foi fácil, não. Meus amigos que vieram comigo para Portugal rapidamente desistiram. Eu só fiquei porque tive muito apoio da minha família."
"Sofri muito com salários atrasados. Eu ficava três, quatro meses sem receber. Não tinha o que comer. Só não foi pior porque contei muito com a ajuda da minha mulher. Ela trabalhava e tinha que sustentar a casa."
Mas a dureza agora está ficando no passado, e Dyego já se permite sonhar ainda mais alto. Uma Copa do Mundo está nos planos, assim como uma transferência para uma liga mais rica e badalada que a portuguesa.
"Antes, meu objetivo era voltar ao futebol brasileiro. Mas, agora, me vejo mais jogando no Campeonato Inglês ou no Espanhol. Precisamos ser realistas. É uma questão financeira. Hoje, ficou difícil para os times brasileiros me tirarem daqui."
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Sobre o Autor
Jornalista formado pela Universidade Estadual de Londrina e mestre em comunicação pela Fundação Cásper Líbero, foi repórter da Folha de S. Paulo por nove anos e mantém um blog sobre futebol internacional no UOL desde 2015.
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Este espaço conta as histórias dos jogadores que fazem do futebol uma paixão mundial. Não só dos grandes astros, mas também dos operários normalmente desconhecidos pelo público.