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Rafael Reis

Solidão e batida policial: brasileiro conta como é jogar futebol no Iraque

Rafael Reis

10/03/2018 04h00

Desde 2014, a vida de Fernando Cardoso se divide entre a Bahia e o Iraque. A maior parte do ano, ele passa no Oriente Médio. Quando chegam as férias, volta ao Brasil para matar as saudades da esposa, dos amigos e do restantes dos familiares.

Fernando não é diplomata, militar, integrante de alguma instituição humanitária, médico ou jornalista que cobre a reconstrução do país do antigo ditador Saddam Hussein (morto em 2006) e os atentados terroristas que ainda assustam a população que vive por lá.

Foto: Acervo Pessoal

Sua profissão tem pouco a ver com o que o Ocidente imagina do Iraque. O baiano de Ilhéus é jogador profissional de futebol.

O volante, que passou por União São João, Novorizontino e teve uma passagem pelo futebol costarriquenho, defendeu durante três temporadas o Naft Maysan. Nesta temporada, foi contratado por uma equipe mais tradicional, o Al-Najaf.

"O Iraque não é aquilo que se vê na TV. É claro que acontecem algumas explosões, mas é mais na região da capital, Bagdá. Eu mesmo nunca presenciei nada que me deixasse assustado", afirmou.

A situação, no entanto, era bem diferente quando ele recebeu de um empresário o curioso convite para jogar no país que alterna períodos de guerra com fases de relativa paz há quase quatro décadas.

"Fiquei meio assim, mas o dinheiro era muito bom. Ele também me indicou alguns brasileiros que moravam aqui e trabalhavam com futebol. Depois que conversei com eles, fiquei mais tranquilo e resolvi aceitar."

Apesar da garantia dada pelos compatriotas de que ele não estava se metendo em uma fria que colocaria em risco sua vida, Fernando resolveu não arriscar completamente. Sua esposa, com quem havia acabado de casar, ficou no Brasil. E continua por lá.

Nesses três e meio que vive no Iraque, o volante do Al-Najaf jamais recebeu uma visita. "Aqui é seguro, mas também não é mil maravilhas. O importante é que dá para trabalhar, ganhar seu dinheiro. Para ter um salário como o meu no Brasil, eu tinha que jogar na primeira divisão. Isso faz diferença em uma carreira curta, como é no futebol."

É claro que Fernando já passou seus perrengues no Iraque. O mais frequente é na alimentação. "Eles nunca comem carne vermelha. É só frango e peixe." Mas houve também um dia em que ele foi abordado por um policial e teve medo de ser preso por desrespeito às rígidas leis islâmicas.

"Eu estava com um jogador estrangeiro, de Camarões, que havia acabado de chegar ao clube. Ele me pediu para ir ao centro com ele e perguntou se poderia vestir camiseta. Respondi que achava que sim", conta.

"De repente, apareceu o negão, todo forte, usando uma camisetinha e uma bermudinha. Quando chegamos ao centro, todo mundo ficou olhando para nós. De repente, apareceu a polícia e deu uma batida na gente. Explicamos que a gente não sabia que aquela roupa era proibida e ele nos liberou. Mas tivemos que passar em uma loja e comprar uma camisa e uma calça."


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Sobre o Autor

Jornalista formado pela Universidade Estadual de Londrina e mestre em comunicação pela Fundação Cásper Líbero, foi repórter da Folha de S. Paulo por nove anos e mantém um blog sobre futebol internacional no UOL desde 2015.

Sobre o Blog

Este espaço conta as histórias dos jogadores que fazem do futebol uma paixão mundial. Não só dos grandes astros, mas também dos operários normalmente desconhecidos pelo público.