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Rafael Reis

"Paitrocinado", filho de ditador jogou na Itália e participou da Champions

Rafael Reis

17/06/2019 04h00

O que um jogador de futebol precisa para atuar na primeira divisão do Campeonato Italiano, passar por clubes como Perugia, Udinese e Sampdoria e até ser inscrito na Liga dos Campeões da Europa?

O mínimo de talento com a bola nos pés, certo? Não no caso de Al-Saadi al-Gaddafi.

Crédito: Divulgação

Para o meia-atacante que passou pelo Calcio entre 2003 e 2007, bastou ter como pai um ditador poderoso e disposto a investir milhões para realizar o sonho do filho de jogar em um centro importante do futebol mundial.

Saadi, como era conhecido no mundo da bola, é filho de Muammar Gaddafi, que comandou a Líbia durante 42 anos e foi deposto do cargo e assassinado por tropas contrárias ao regime em 2011.

O meia-atacante já era um homem do futebol em sua terra natal. Entre 1990 e 2003, ele defendeu dois principais times da Líbia (Al-Ahly e Al-Ittihad). Também usou a braçadeira de capitão da seleção e até presidiu a federação nacional da modalidade.

Mas sua ambição era bem maior do que aquilo que os gramados do norte da África lhe proporcionavam. Sem talento para alcançar o sonho de jogar na Europa, precisou apelar pesado ao "paitrocínio".

A primeira tentativa de Gaddafi foi se tornar acionista da Juventus para tentar forçar a contratação do filho. O governo líbio até comprou 7,5% das ações do clube, mas não obteve influência suficiente para emplacar o jogador.

O segundo tiro foi ainda mais ousado. O ditador fez uma proposta formal para adquirir 100% da Lazio. Mais uma vez, a tentativa não deu o resultado esperado. O máximo que o chefe de estado conseguiu foi um acordo para que o filho usasse as instalações da equipe romana para treinar durante dez dias.

Quem abriu as portas para Saadi foi o Perugia. Em 2003, o pequeno clube da primeira divisão italiana aceitou os apelos (e o incentivo financeiro de valor nunca revelado) de Gaddafi e contratou o já não mais garoto de 30 anos.

Para ajudar o filho a deslanchar por lá, o ditador líbio contratou dois assistentes de peso para auxiliá-lo. Diego Maradona seria uma espécie de consultor técnico e o ex-velocista canadense Ben Johnson trabalharia como seu personal trainer.

Durante meses, Saadi foi a atração dos treinos do Perugia. Na maioria das vezes, chegava ao CT de limousine. De vez em quando, pousava de helicóptero. Mas sempre estava acompanhado de um grupo de seguranças mal encarados.

Ridicularizado pela imprensa italiana pelo pouco talento com a bola e o comportamento de playboy, o "príncipe" da Líbia só teve uma oportunidade em jogos oficiais. Na antepenúltima rodada da temporada 2003/04, participou dos 15 minutos finais da partida contra a Juventus.

No mesmo jogo, foi flagrado no exame antidoping pelo uso de nandrolona, um esteroide anabolizante. Depois da suspensão de três meses, assinou com a Udinese, clube que o inscreveu na Champions, mas que também só o utilizou uma vez –contra o Cagliari.

A última tentativa de Saadi de emplacar no futebol europeu foi o contrato com a Sampdoria para a temporada 2006/07. Decepcionado depois de passar o ano inteiro sem entrar em campo, decidiu pendurar as chuteiras.

Seu nome voltou à tona em 2011, quando Gaddafi foi deposto do governo líbio. O filho boleiro do ditador conseguiu fugir, pediu asilo político em Niger e permaneceu por lá durante três anos. Em 2014, foi deportado de volta para a Líbia, onde está preso até hoje por diversos crimes relacionados ao antigo regime liderado por seu pai.


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Sobre o Autor

Jornalista formado pela Universidade Estadual de Londrina e mestre em comunicação pela Fundação Cásper Líbero, foi repórter da Folha de S. Paulo por nove anos e mantém um blog sobre futebol internacional no UOL desde 2015.

Sobre o Blog

Este espaço conta as histórias dos jogadores que fazem do futebol uma paixão mundial. Não só dos grandes astros, mas também dos operários normalmente desconhecidos pelo público.