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Rafael Reis

Como seleção feminina virou símbolo de campanha pró-aborto na Argentina

Rafael Reis

10/06/2019 04h00

Em 5 de novembro de 2018, a Argentina goleou o Panamá por 4 a 0, no primeiro jogo da repescagem das eliminatórias da Copa do Mundo feminina de futebol, e praticamente selou sua classificação para a França-2019.

No dia seguinte, o "Clarín", principal jornal do país, publicou uma foto das jogadoras comemorando o resultado. E uma delas, a atacante Yael Oviedo, do Rayo Vallecano (ESP), aparece na imagem segurando um lenço verde.

Crédito: Divulgação

O objeto é o símbolo do movimento pela descriminalização do aborto, que ganhou força na Argentina nos últimos anos e que escolheu a seleção feminina de futebol como palco de algumas de suas principais manifestações.

Na partida contra o Panamá, boa parte dos 11.500 torcedores que foram ao estádio Julio Grondona, em Sarandí, nos arredores de Buenos Aires, carregavam o lenço verde com o lema da campanha: "Educação sexual para decidir, anticoncepcionais para não abortar e aborto legal para não morrer."

Segundo relatos do próprio "Clarín", os policiais presentes no estádio estavam orientados a não permitir a entrada do objeto nas arquibancadas, já que a Fifa proíbe qualquer tipo de manifestação política em partidas de futebol. Mas nem esse veto impediu que os lenços fizessem parte do cenário do jogo.

Talvez por temer uma suspensão pelo gesto proibido, a própria Oviedo negou que seu gesto de exibir o pano tenha sido proposital. Apesar de se dizer favorável à descriminalização do aborto, a atacante sempre manteve a versão de que estava tão empolgada quando pegou a flâmula de uma torcedora que nem se atentou ao que ela representava.

A aproximação entre os movimentos feministas e o futebol feminino começou no início do ano passado, quando a atacante Macarena Sánchez foi dispensada do UAI Urquiza e decidiu processar seu clube a AFA (Associação de Futebol da Argentina) por más condições de trabalho.

Sua ação originou uma bola de neve. Várias jogadoras saíram em sua defesa e passaram a protestar contra a situação precária da modalidade. Em março, a AFA anunciou a profissionalização do futebol feminino no país e começou a repassar recursos aos clubes para pagarem salários a algumas atletas.

Os movimentos feministas entraram também nessa luta e deram suporte às jogadoras, que também acabaram entrando na briga pela descriminalização do aborto.

Na Argentina, o aborto só é legalmente permitido em casos de gravidez decorrente de estupro ou quando a vida da mãe está em risco. Um projeto que descriminalizava a prática até a 14ª semana de qualquer gestação foi rejeitado pelo Senado em agosto do ano passado.

Essa é a oitava edição do Mundial feminino. Os Estados Unidos são os atuais campeões e também os maiores vencedores, com três títulos (1991, 1999 e 2015). Alemanha (2003 e 2007), Noruega (1995) e Japão (2011) também já ficaram com o troféu.

Pouco tradicional no futebol feminino, a Argentina ocupa apenas a 37ª colocação no ranking da Fifa e disputa a competição apenas pela terceira vez. Nas duas anteriores (2003 e 2007), só perdeu.

O time estreia no Mundial-2019 nesta segunda-feira, contra o Japão, em Paris. Inglaterra e Escócia são as outras equipes do Grupo D.


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Sobre o Autor

Jornalista formado pela Universidade Estadual de Londrina e mestre em comunicação pela Fundação Cásper Líbero, foi repórter da Folha de S. Paulo por nove anos e mantém um blog sobre futebol internacional no UOL desde 2015.

Sobre o Blog

Este espaço conta as histórias dos jogadores que fazem do futebol uma paixão mundial. Não só dos grandes astros, mas também dos operários normalmente desconhecidos pelo público.