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Rafael Reis

De "NBA do futebol" a vexame histórico: 7 razões para decadência da Itália

Rafael Reis

14/11/2017 04h30

Entre os anos 1980 e o início da década de 1990, a Itália era sinônimo do melhor futebol do mundo. Os atletas mais talentosos do planeta eram aqueles que conseguiam uma vaguinha em um dos 16 ou 18 clubes da primeira divisão do Calcio.

O apelido "NBA do futebol" não era à toa. A Serie A italiana reunia gente do calibre de Maradona, Platini, Rijkaard, Gullit, Van Basten, Zico e Falcão, além dos locais Baresi, Scirea, Gentile, Paolo Rossi, Ancelotti, Maldini e Roberto Baggio.

A seleção acompanhava o sucesso da liga mais poderosa do planeta. Em 1982, a Itália conquistou o tri mundial. Oito anos depois, ficou com a terceira colocação. Já em 1994, alcançou mais uma final e perdeu o tetra nos pênaltis.

Essa história, nem tão antiga assim, até parece obra de ficção para quem vê o futebol italiano na atualidade. Em 2017, o país campeão das Copas de 1934, 1938, 1982 e 2006 não só não possui mais os clubes mais poderosos do planeta, como acaba de protagonizar o maior vexame dos seus últimos 60 anos.

Com o empate sem gols com a Suécia, na última terça-feira, em Milão, pela repescagem das eliminatórias da Copa-2018, a Itália ficará de fora de um Mundial pela primeira vez desde a ausência em 1958.

Listamos abaixo sete motivos que explicam esse fracasso, não só da equipe comandada por Gian Piero Ventura, mas do futebol italiano como um todo.

HAJA ESCÂNDALOS
Em 1980, Milan e Lazio foram rebaixadas para a segunda divisão devido a um escândalo de manipulação de resultados. Seis anos depois, um escândalo semelhante envolvendo nove times foi descoberto. Em 2006, foi a vez da Juventus ter títulos cassados e perder seu lugar na elite por participar de um esquema de escolha de árbitros favoráveis para suas partidas. E houve ainda prisões de atletas que fraudavam placares e os vendiam para apostadores em 2011, 2012, 2013… Nenhum futebol resiste a tantos escândalos, e a Itália é prova disso. O torcedor perdeu a confiança na idoneidade daquilo que via em campo, os patrocinadores fugiram, o dinheiro rareou e o Campeonato Italiano foi perdendo espaço para o Inglês e o Espanhol.

TALENTO VALE POUCO

O meia-atacante Lorenzo Insigne, do Napoli, talvez seja o jogador italiano mais habilidoso de sua geração. No entanto, passou toda a partida decisiva contra a Suécia sentadinho no banco de reservas. Culpa do técnico Gian Piero Ventura, é claro, mas principalmente do sistema que o colocou no cargo e moldou suas ideias. Em nenhum outro país do primeiro escalão do futebol mundial, o talento individual de um atleta é tão pouco valorizado. O que impera por lá é a ideia de que um jogador deve ser avaliado pela capacidade de cumprir a tarefa tática para qual foi designado. Vale lembrar que durante muito tempo a discussão por lá era se Totti e Del Piero poderiam jogar juntos na seleção.

OBSESSÃO PELA EXPERIÊNCIA
Um dos segredos do sucesso de Joachim Löw na Alemanha parte de uma ideia simples: se dois jogadores possuem níveis semelhantes, o mais jovem deve ser sempre escalado. Assim, a seleção germânica estará em um processo de constante renovação e seus atletas mais novos não estarão crus no momento em que forem utilizados. Pois bem, o que a Itália faz é justamente o contrário. A cultura predominante na Bota (ainda que técnicos da jovem geração estejam começando a mudar esse cenário) é que um atleta experiente é sempre melhor e mais confiável do que o jovem. A médio e longo prazo, essa dinâmica provoca o envelhecimento das equipes e mina a aparição de novos nomes. É por isso que, contra a Suécia, cinco dos 11 titulares italianos já estavam na casa dos 30 anos.

DECLÍNIO DA BASE
O trabalho feito nas categorias de base da Itália também não tem contribuído muito no processo de renovação da seleção. A Azzurra ainda é a maior campeã europeia da categoria sub-21, mas conquistou todos os seus cinco títulos continentais entre 1992 e 2004 e já vive um tabu de 13 anos sem novos troféus na base. Na última edição do torneio, disputada em junho, a Itália foi até as semifinais, mas acabou derrotada pela Espanha.

TÁTICA VIROU COMMODITY

A história de sucesso construída pelo futebol italiano ao longo da história se deve a vários fatores, mas um deles teve um papel especial: o domínio das táticas do jogo. Treinadores capazes de antever jogadas e anular os pontos fortes dos rivais e jogadores com uma leitura acima da média do que acontece em campo colocavam a Itália em vantagem contra seus adversários. Só que a globalização das ideias e a revolução provocada por Pep Guardiola na década passada, que tornou o jogo de futebol cada vez mais tático, minou essa vantagem. Agora, todo mundo entende daquilo que os italianos sempre foram mestres.

FALTA DE INTERCÂMBIO
Dos 27 jogadores que foram convocados para os confrontos da repescagem contra a Suécia, apenas cinco não atuam na Itália. Isso não seria um problema nos anos 1980 e 1990, quando os maiores astros do futebol mundial atuavam na Bota. Mas, em 2017, ter uma equipe cujo elenco está quase todo alocado dentro da própria Itália significa menos confrontos contra os melhores jogadores do planeta (Messi, Cristiano Ronaldo, Neymar e cia.), o que tem como consequência uma menor evolução técnica e tática dos seus atletas.

TÉCNICO ERRADO
Apesar de todos os problemas relatados acima, a Itália tinha totais condições de se classificar para a Copa e até de fazer um bom papel na Rússia no próximo ano. Só que a escolha do treinador para o biênio 2016-2018 foi das mais equivocadas. Em um país que conta com Conte, Ancelotti, Sarri, Allegri, Capello, Mancini, Ranieri e vários outros técnicos de renome, entregar a seleção nas mãos de Gian Piero Ventura foi um erro vital. O veterano de 69 anos fez carreira como técnico de times pequenos, só ganhou títulos das Série C e D e ganhou projeção pelo trabalho de mediano para bom feito no Torino. Na seleção, Ventura mostrou ser um treinador limitado e preso aos maiores defeitos históricos da Itália (apresentados ao longo deste texto). Resultado: um vexame histórico que irá privar da Copa-2018 uma das camisas mais pesadas e vencedoras do futebol mundial.


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Sobre o Autor

Jornalista formado pela Universidade Estadual de Londrina e mestre em comunicação pela Fundação Cásper Líbero, foi repórter da Folha de S. Paulo por nove anos e mantém um blog sobre futebol internacional no UOL desde 2015.

Sobre o Blog

Este espaço conta as histórias dos jogadores que fazem do futebol uma paixão mundial. Não só dos grandes astros, mas também dos operários normalmente desconhecidos pelo público.